O cuidado que uma criança recebe durante sua vida é de crucial importância para a formação de sua personalidade, sua higidez psicológica e o adulto que irá se tornar.
A responsabilidade de cuidar devidamente recai sobre os genitores, primeiro contato que o infante possui com o mundo. Esses devem oferecer ao menor mais do que apoio material apto a mantê-lo alimentado e em segurança, mas também elementos necessários para a saúde mental e comportamento social.
Inclusive, a Constituição Federal, no artigo 227, aponta como dever da família colocar a salvo a criança, o adolescente e o jovem de toda a forma de negligência.
Segundo Tânia da Silva Pereira[1], “o ser humano precisa ser cuidado para atingir sua plenitude, para que possa superar obstáculos e dificuldades da vida humana”. Citando Waldow, a autora alerta para o fato de que atitudes de “não cuidado” desenvolvem sentimentos de impotência, perda, desvalorização como pessoa e vulnerabilidade, além de “tornar-se uma cicatriz que, embora possa ser esquecida, permanece latente na memória”[2].
Quando os genitores deixam de exercer esse dever de cuidado, agindo com indiferença afetiva para com sua prole, ocorre o abandono afetivo.
No que tange à responsabilização civil relativa a esse abandono, expõe Arnaldo Rizzardo[3] que, por serem irreparáveis e repercutirem vida afora, os prejuízos e frustrações que dele decorrem ensejam indenização pelo dano moral que se abate sobre o filho. Complementa:
Se a morte de um dos progenitores, em face da sensação de ausência, enseja o direito à reparação por dano moral, o que se tornou um consenso universal, não é diferente no caso do irredutível afastamento voluntário do pai ou da mãe, até porque encontra repulsa pela consciência comum e ofende os mais comezinhos princípios de humanidade.
As vozes contrárias à aplicação do dano moral nas relações familiares afirmam que não se pode obrigar alguém a amar, nem tampouco reparar uma dor emocional com pecúnia.
Ocorre que esse caminho é inverso ao que tem trilhado o Direito brasileiro, o qual reconhece ampla e constitucionalmente o dano moral como instituto apto a reparar o que não é economicamente aferido[4].
E mais que reparar a falta de amor, o pedido em questão visa reparar o descumprimento do dever de cuidado, inerente à relação pai-filho.
Segundo a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-SP), de cada 20 crianças registradas em São Paulo, uma não tem o nome do pai na Certidão de Nascimento e uma pesquisa do Datafolha revelou que 70% dos menores infratores internados na antiga Febem não viviam com o pai[5].
O ordenamento jurídico pátrio não pode compactuar com essa realidade e, acertadamente evolui no sentido de trazer o genitor para a relação familiar, como se vê da recente Lei n. 13.058, de 22 de dezembro de 2014.
Através da referida lei, a guarda compartilhada se tornou regra, em que pese os questionamentos de “é possível obrigar alguém a amar?”.
O legislador avança no sentido de que se apegar a esse questionamento em nada contribui com o melhor interesse da criança, que deve ser o foco de ações desse tipo.
Estando diante de situação semelhante, seja em face do pai ou da mãe, busque o auxílio de um advogado atuante em Direito das Famílias para encontrar a melhor solução para o seu caso.
[1] Tânia da Silva Pereira. Abrigo e alternativas de acolhimento familiar, in: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 309.
[2] Ibid., p. 311-312.
[3] RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 692-693
[4] Art. 5º, CRFB. […] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; […] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;